terça-feira, 30 de novembro de 2004

DASS!

Estava a ver que não!

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

SR. PRESIDENTE

Queria só recordar que o malogrado Professor Sousa Franco classificou o segundo governo de Guterres como o pior desde o tempo de Dª Maria. Seguindo o mesmo critério, o actual executivo é o pior desde o tempo do Viriato.
SERÁ POSSÍVEL...

... que, ultimamente, quando quero postar me aparece isto?
''Internal Server Error
The server encountered an internal error or misconfiguration and was unable to complete your request.

Please contact the server administrator, support@blogger.com and inform them of the time the error occurred, and anything you might have done that may have caused the error.

More information about this error may be available in the server error log''.

Grrrrr!
MICROSOFT

Vejo na tv a notícia de uma iniciativa, realizada no Cine-Teatro de Serpa, de divulgação das novas tecnologias no ensino básico. Parece que um professor inventou um concurso (chamado netd@ys) em que várias equipas realizam provas relacionadas com a net e a informática; curiosamente os miúdos tinham que fazer uma pesquisa no ''Microsoft Internet Explorer'' e escrever um texto usando o ''Microsoft Internet (!) Word'' . Claro que isto tem a sua lógica, afinal foi o Bill Gates quem inventou o computador e a Internet, não foi?
ANNABEL LEE - original

Como a tradução do post anterior, apesar de ser feita pelo Fernando Pessoa, não faz justiça ao génio de Poe, decidi publicar o poema ''Annabel Lee'' na sua versão original.

ANNABEL LEE
(by Edgar Allan Poe)

It was many and many a year ago,
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of Annabel Lee;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.

I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea;
But we loved with a love that was more than love-
I and my Annabel Lee;
With a love that the winged seraphs of heaven
Coveted her and me.

And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsman came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.

The angels, not half so happy in heaven,
Went envying her and me-
Yes!- that was the reason (as all men know, In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.

But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we-
Of many far wiser than we-
And neither the angels in heaven above,
Nor the demons down under the sea,
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee.

For the moon never beams without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so,all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling, my darling, my life and my bride,
In the sepulchre there by the sea,
In her tomb by the sounding sea.

Edgar Allan Poe.

domingo, 28 de novembro de 2004

ANNABEL LEE

''Annabel Lee''
(de Edgar Allan Poe)

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.

Fernando Pessoa
Traduzido de ''Annabel Lee'', de Edgard Allan Poe; ritmicamente conforme com o original.

sábado, 27 de novembro de 2004

CORAÇÃO SEM-ABRIGO IV

''Só uma vez fui verdadeiramente amado. Simpatias, tive-as sempre, e de todos. Nem ao mais casual tem sido fácil ser grosseiro, ou ser brusco, ou ser até frio para comigo. Algumas simpatias tive que, com auxílio meu, poderia - pelo menos talvez - ter convertido em amor ou afecto. Nunca tive paciência ou atenção do espírito para se quer desejar esse esforço.

A princípio de observar isto em mim, julguei - tanto nos desconhecemos - que havia neste caso da minha alma uma razão de timidez. Mas depois descobri que não havia; havia um tédio das emoções, diferente do tédio da vida, uma impaciência de me ligar a qualquer sentimento contínuo, sobretudo quando houvesse de se lhe atrelar um esforço prosseguido. Para quê? pensava em mim o que não pensa. Tenho a subtileza bastante, o tacto psicológico suficiente para saber o «como»; o «como do como» sempre me escapou. A minha fraqueza de vontade começou sempre por ser uma fraqueza da vontade de Ter vontade. Assim me sucedeu nas emoções como me sucede na inteligência, e na vontade mesma, e em tudo quanto é vida.

Mas daquela vez em que uma malícia da oportunidade me fez julgar que amava, e verificar deveras que era amado, fiquei, primeiro, estonteado e confuso, como se me saíra uma sorte grande em moeda inconvertível. Fiquei, depois, porque ninguém é humano sem o ser, levemente envaidecido; esta emoção, porém, que pareceria a mais natural, passou rapidamente. Sucedeu-se um sentimento difícil de definir, mas em que se salientavam incomodamente as sensações de tédio, de humilhação e de fadiga.

De tédio, como se o Destino me houvesse imposto uma tarefa em serões desconhecidos. De tédio, como se não bastasse a monotonia inconsistente da vida, para agora se lhe sobrepor a monotonia obrigatória de um sentimento definido.

E de humilhação, sim, de humilhação. Tardei em perceber a que vinha um sentimento aparentemente tão-pouco justificado pela sua causa. O amor a ser amado deveria ter-me aparecido. Deveria ter-me envaidecido de alguém reparar atentamente para a minha existência como ser amável. Mas, à parte o breve momento de real envaidecimento, em que todavia não sei se o pasmo teve mais parte que a própria vaidade, a humilhação foi a sensação que recebi de mim. Senti que me era dada uma espécie de prémio destinado a outrém - prémio, sim, de valia para quem naturalmente o merecesse.

Mas fadiga, sobretudo fadiga - e fadiga que passa o tédio. Compreendi então, uma frase de Chateaubriand que sempre me enganara por falta de experiência de mim mesmo. Diz Chateaubriand, figurando-se em Renê, «amarem-no cansava-o» - on le fatiguait en l'aimant. Conheci, com pasmo, que isto representava uma experiência idêntica à minha, e cuja verdade portanto eu não tinha o direito de negar.

A fadiga de ser amado, de ser amado deveras! A fadiga de sermos o objecto do fardo das emoções alheias! Converter quem quisera ver-se livre, sempre livre, no moço de fretes da responsabilidade de corresponder, da decência de se não afastar, para que se não suponha que se é príncipe nas emoções e se renega o máximo que uma alma humana pode dar. A fadiga de nos tornar a existência uma coisa dependente em absoluto de uma relação com um sentimento de outrém! A fadiga de, em todo o caso, ter forçosamente que sentir, ter forçosamente, ainda que sem reciprocidade, que amar um pouco também!

Passou de mim, como até mim veio, esse episódio na sombra. Hoje não resta dele nada, nem na minha inteligência, nem na minha emoção. Não me trouxe experiência alguma cujo conhecimento instintivo albergo em mim porque sou humano. Não me deu nem prazer que eu recorde com tristeza, ou pesar que eu lembre com tristeza também. Tenho a impressão de que foi uma coisa que li algures, um incidente sucedido a outrém, novela de que li metade, e de que a outra metade faltou, sem que me importasse que faltasse, pois até onde a li estava certa, e, embora não tivesse sentido, tal era já que lhe não poderia dar sentido a parte faltante, qualquer que fosse o seu enredo.

Resta-me apenas uma gratidão a quem me amou. Mas é uma gratidão abstracta, pasmada, mais de inteligência do que de qualquer emoção. Tenho pena que alguém tivesse tido pena por minha causa; é disso que tenho pena, e não tenho pena de mais nada.

Não é natural que a vida me traga outro encontro com as emoções naturais. Quase desejo que apareça para ver como sinto dessa segunda vez, depois de me ter atravessado toda uma extensa análise da primeira experiência. É possível que sinta menos; é também possível que sinta mais. Se o Destino o der, que o dê. Sobre as emoções tenho curiosidade. Sobre os factos, quaisquer que venham a ser, não tenho curiosidade alguma.

não digo já a primeira experiência, mas toda a extensa análise dela é que para mim é a sua realidade (...)

*


Hoje, em um dos devaneios sem propósito nem dignidade que constituem grande parte da substância espiritual da minha vida, imaginei-me liberto para sempre da Rua dos Douradores, do patrão Vasques, do guarda-livros Moreira, dos empregados todos, do moço, do garoto e do gato. Senti em sonho a minha libertação, como se mares do Sul me houvessem oferecido ilhas maravilhosas por descobrir. Seria então o repouso, a arte conseguida, o cumprimento intelectual do meu ser.

Mas de repente, e no próprio imaginar, que fazia num café no feriado modesto do meio-dia, uma impressão de desagrado me assaltou o sonho: senti que teria pena. Sim, digo-o como se o dissesse circunstancialmente: teria pena. O patrão Vasques, o guarda-livros Moreira, o caixa Borges, os bons rapazes todos, o garoto alegre que leva as cartas ao correio, o moço de todos os fretes, o gato meigo - tudo isso se tornou parte da minha vida; não poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por mau que me parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o separar-me deles era uma metade e semelhança da morte.

Aliás, se amanhã me apartasse deles todos, e despisse este trajo da rua dos Douradores, a que outra coisa me chegaria - porque a outra me haveria de chegar? De que outro trajo me vestiria - porque de outro me haveria de vestir?

Todos temos o patrão Vasques, para uns visível, para outros invisível. Para mim chama-se realmente Vasques, e é um homem sadio, agradável, de vez em quando brusco mas sem lado de dentro, interesseiro mas no fundo justo, com uma justiça que falta a muitos grandes génios e a muitas maravilhas humanas da civilização, direita e esquerda. Para outros será vaidade, a ânsia de maior riqueza, a glória, a imortalidade... Prefiro o Vasques homem meu patrão, que é mais tratável, nas horas difíceis, que todos os patrões abstractos do mundo.

Considerando que eu ganhava pouco, disse-me o outro dia um amigo, sócio de uma firma que é próspera por negócios com todo o Estado: «Você é explorado, Borges». Recordou-me isso de que o sou; mas como na vida temos todos que ser explorados, pergunto se valerá menos a pena ser explorado pelo Vasques das fazendas do que pela vaidade, pela glória, pelo despeito, pela inveja ou pelo impossível.

Há os que Deus mesmo explora, e são profetas e santos na vacuidade do mundo.

E recolho-me, como ao lar que os outros têm, à casa alheia, escritório amplo, da rua dos Douradores. Achego-me à minha secretária como a um baluarte contra a vida. Tenho ternura, ternura até às lágrimas, pelos meus livros de outros em que escrituro, pelo tinteiro velho de que me sirvo, pelos costas dobradas do Sérgio, que faz guias de remessa um pouco para além de mim. Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar - ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande indiferença das estrelas.''

in ''O Livro do Desassossego'' de Bernardo Soares [Fernando Pessoa].

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

UMA ÁGUIA NO METRO

Hoje fui ver o jogo do Benfica a casa de um amigo. Estava eu em amena cavaqueira com um colega de trabalho quando, na estação de Entre-
-Campos, sou surpreendido com os passageiros que se sentaram em frente, os dois tratadores e a águia do Benfica! É verdade, segundo nos disseram andaram às voltas no meio do trânsito sem conseguir chegar perto do Estádio da Luz, decidiram então deixar o carro estacionado e apanhar o metropolitano. Falámos do actual momento do Benfica e, obviamente, o dito animal foi objecto de atenção de todos os passageiros, dentro e fora da carruagem; uma senhora ainda perguntou se a ave era verdadeira, ''...é que está tão quietinha''. Saí nas Picoas e a Vitória lá seguiu viagem até à Catedral.
Claro que quem defende os direitos dos animais não gostará de ler este post, mas uma águia a viajar de Metro deve ser, na minha opinião, uma estreia mundial.
COLORGRAPHIA IX


Diego de la Rivera (8/12/1886*25/11/1957). ''Paisaje zapatista'', 1915.

Clique na imagem para ver a ampliação.

quarta-feira, 24 de novembro de 2004

COLORGRAPHIA VIII


''Jane Avril Laissant le Moulin Rouge'', 1893.
Henri de Toulouse-Lautrec (24 de Novembro, 1864 * 9 de Setembro, 1901).

terça-feira, 23 de novembro de 2004

TANTA DEMAGOGIA!

Vou mas é desligar a tv que este sr. Primeiro Ministro está a causar-me náuseas.

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

TRADIÇÃO

Com a nova Lei das Rendas a tradição ainda vai ser o que era.

domingo, 21 de novembro de 2004

MoMA

Wish i was there!

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

COLORGRAPHIA VII


Vincent Van Gogh ''Crânio de Esqueleto Fumando um Cigarro'', 1886.

Com um dia de atraso aqui fica uma imagem ilustrativa do Dia Mundial do Não Fumador.

terça-feira, 16 de novembro de 2004

FRANCAMENTE!

Lá estão os deputados da Oposição a insinuar que o Governo está envolvido na demissão em bloco da Direcção de informação da RTP! Pensem bem, não é lógico o José Rodrigues dos Santos bater com a porta por não concordar com a nomeação do correspondente em Espanha? Provavelmente é o Vasco Lourinho aproveitando já a futura possibilidade dos reformados trabalharem a tempo parcial...

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

OFFLINE

Devido a problemas com a net de casa nos próximos dias ''postarei'' pouca coisa.

PS: Sendo obrigado a usar o Internet Explorer aqui no Cyber constato que já me tinha esquecido que é um programa de merda.

segunda-feira, 8 de novembro de 2004



domingo, 7 de novembro de 2004

COLORGRAPHIA VI


Francisco de Zurbarán (1598*1664). ''Bodegon'', natureza morta. Museo del Prado, Madrid.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

O BLOGGER PIFOU

Parece que os americanos fizeram tantos posts sobre as eleições presidenciais e sobre a vitória do idiota que o Blogger deu o berro, deixa cá ver se usando o ''w.bloggar'' consigo alguma coisa.
Infelizmente acertei quando previ que o idiota seria reeleito. Para cúmulo, aliados subservientes, como o nosso Governo e Presidente da República , facilitarão bastante a vida ao cowboy.
BREVES APONTAMENTOS SOBRE AS ORIGENS DO MODERNO ''CONTRADITÓRIO'', DA CONTEMPORÂNIA AUSÊNCIA DE PRESSÕES E DA IMUNIDADE A ELAS, BEM COMO A GÉNESE DO NEBULOSO E ELÁSTICO ''SEGREDO DE JUSTIÇA''

''--O que pensa Cardoso Pires da...PIDE--

- O seu segundo livro, Histórias de Amor, foi apreendido...

- Um dos contos descrevia a prisão de uma estudante antifascista mas a Censura fingiu ignorar o pormenor. A PIDE é que não: prendeu-me sem mais aquelas...

- Como foi tratado pela PIDE?

- Não me interrogaram, não me deixaram dormir durante três dias e depois puseram-me na rua sem interrogatório, sem nada. Apenas, a privação do sono e algumas provocações. Era um aviso da polícia a um jovem que começava a escrever, nada mais.

- Foi longo o seu conflito com a Censura...

- Em todo o caso, muito menor do que o de alguns escritores. Torga esteve preso não sei quanto tempo por ter escrito Os Bichos. Redol foi proibido de publicar fosse o que fosse durante dois anos... A polícia política e a polícia da escrita trabalhavam de mãos dadas, como aconteceu no meu caso, mas nunca se comprometiam com qualquer declaração documentada. Veja, a PIDE teve-me detido e dessa reclusão não ficou um auto de captura, um interrogatório. Uma semana depois foi a vez de a Censura me chamar por uma contrafé. O director, um major sinuoso que dava pelo nome de David dos Santos, propôs-me que eu fizesse emendas ao texto das Histórias de Amor para lhe levantar a interdição.

- Que emendas?

- Substituir as passagens censuradas, pura e simplesmente. Num livro de Jacinto Baptista * há uma referência a esse episódio com bastante exactidão. Para os censores o que na altura estava em causa já não era o livro, era o jovem escritor que eu era. Era esse principiante que aquele major de merda estava a humilhar convictamente, procurando comprometê-lo ali mesmo, logo à nascença. O próprio facto de eu ter de recusar uma negociação tão suja foi, lembro-me bem, uma segunda humilhação para mim porque uma proposta de colaboracionismo, mesmo que em termos de rotina burocrática, pressupõe que o carrasco tem uma imagem desdenhosa da vítima. Claro que da tentativa de aliciamento não ficou o menor registo, como era costume. Ou, antes, ficou; neste caso ficou, porque o major aliciador insistiu em que eu reconsiderasse e entregou-me o exemplar censurado para que eu o corrigisse. O exemplar censurado, imagine! As anotações, as passagens, as páginas cortadas pelo célebre lápis azul da censura, tudo ali na minha mão!

- Por exemplo ...?

- Por exemplo, a palavra nu cortada logo ao abrir do livro. «O homem estava nu em cima da cama ...» e, zás, o lápis azul atacou logo. Por exemplo, certas expressões do género filho da mãe, dor de corno, catano e outras assim, tudo abaixo, tudo excomungado. A simples referência a Maiakovski, ao Éluard e ao Pessoa (ao Pessoa, veja bem!) levantou prontamente a suspeita do bem-pensante e foi abatida antes que se fizesse tarde, e isto para não falar já das páginas eliminadas por inteiro nem das interrogações e de certos sinais enigmáticos que aparecem à margem doutras. Numa delas está anotado a tinta «Deixar passar?» Como vê, os caprichos da Censura eram largos e insondáveis... e eu tinha-os ali na mão! Desse por onde desse, não estava disposto a perder um testemunho daqueles. Como e de que maneira, não sabia. Por sorte minha, pouco tempo depois houve uma remodelação dos Serviços de Censura e nunca mais devolvi o exemplar. Guardo-o como um apontamento precioso da minha vida de escritor porque é uma comprovação da prepotência e da análise supersticiosa daquilo a que o Salazar chamava a Política do Espírito. Senti a mão da Censura logo ao primeiro texto que publiquei em livro, uma antologia universitária intitulada Bloco. Morte imediata, livro apreendido sem demora porque a polícia da escrita estava atenta aos candidatos a escritor. Os que havia já chegavam e sobravam, para essa praga de inquisidores, o escritor português vivo era a besta inconveniente, o alvo maldito. Mesmo assim, ele não se calava, não desistia de escrever. E os editores publicavam-no, os editores, que imprudência, assumiam esse risco. E os livreiros protegiam-no, faziam malabarismos para lhe venderem o livro clandestinamente se por acaso fosse proibido.''

* Jacinto Baptista, Caminhos para uma Revolução, Ed. Bertrand, Lisboa, 1975.

Cardoso Pires por Cardoso Pires, entrev. de Artur Portela, 1ª edição, Publicações D. Quixote, 1991, 124 p., pp. 33-35

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ANOTAÇÕES DA CENSURA PRÉVIA SOBRE ALGUNS FILMES

»''A Terra Treme'', de Luchino Visconti (1948) - ''Paira neste filme uma atmosfera contra a sociedade instituída. (...) O filme constitui um espectáculo inconveniente e altamente perigoso.''

»''Verboten'', de Samuel Fuller (1958) - ''É um filme de baixa propaganda antinazi (...). É um filme de ódio, politicamente inconveniente. É em suma um assunto ultrapassado.''

»''O Acossado'', de Jean Luc Godard (1959) - ''O filme é de todo o ponto inconveniente porque não é mais do que a apresentação de situações à margem da lei e da moralidade.''

»''A Adolescente'', de Luis Buñuel (1960) - ''Trata-se de um filme de Luis Buñuel, conhecido realizador espanhol de formação à esquerda (...). No decorrer da história, muitas vezes aflora um racismo violento de brancos contra pretos (...). O filme seria de aprovar, noutro momento (...). Porém, neste momento em que nos afligem problemas delicados em África, não seria conveniente a aprovação de um filme deste tipo.''

»''O Julgamento de Nuremberga'', de Stanley Kramer (1961). Filme extensamente censurado.

»''A Colina Maldita'', de Sidney Lumet (1965) - "As situações apresentadas neste filme criam um desrespeito completo pela hierarquia militar e até, em certos aspectos, ódio ao exército."

»''Dracula, Prince of Darkness'', de Terence Fisher (1966) - "Trata-se de um filme que pretende fazer crer na existência de vampirismo, em que este aparece ligado com a religião."

»''Oh! What a Lovely War'', de Richard Attenborough (1969) - "Reprovamos o filme pois é um libelo cruel contra a guerra."

»''Zabriskie Point'', de Michelangelo Antonioni (1970) - "Reprovamos o filme: a revolta da juventude nas primeiras partes e a destruição da civilização na última são os motivos determinantes."

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ALGUNS DOS DISCOS CENSURADOS DURANTE O ''ESTADO NOVO''

» Adriano Correia de Oliveira
''Gente de Aqui e de Agora''

» Amália Rodrigues/Vinicius de Moraes
Disco com o mesmo nome, diversos intérpretes

» António Calvário
"Vou ao Norte"

» Carlos Mendes
''Segunda Canção com Lágrimas'' (letra de Manuel Alegre)
''E alegre se fez triste''/''O Regresso''

» Carlos do Carmo
''Ferro Velho''

» Fausto
''África'', ''Ó Pastor que Choras'' e ''Chora, Amigo''

» Fernando Lopes Graça
''O Menino de sua Mãe'' (faixa)

» Fernando Tordo
''Viagens que passais'', ''Sangue nas Palavras'' e ''O Café'' (faixas)

» João Perry
''Textos Literários/Poesia de Eugénio de Andrade''

» José Afonso
''Menino do Bairro Negro''
''Os Vampiros''
''Ó Vila de Olhão''
''Cantigas de Maio''
''Venham Mais Cinco''

» José Barata Moura
''Subúrbio''
''Vamos Brincar à Caridadezinha''

» José Jorge Letria e Carlos Alberto Moniz
''Três Novas e Três Velhas''
José Jorge Letria de Viva Voz

» José Mário Branco
''Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades''

» Luís Cília
''Duas Melodias''
''Meu País''

» Manuel Freire
''Manuel Freire''

» Mário Viegas e Daniel Filipe
''A Invenção do Amor''
''Palavras Ditas''

Algumas coisas sobre censura que fui encontrando por essa net fora. Seguindo o raciocínio que alguns poderosos fazem hoje em dia, poder-se-á constatar que nada de mal aconteceu aos censurados (quando muito levaram uns ''safanões'') e que a Lei e a Ordem não foram perturbadas. As pessoas tinham de se mentalizar que seriam responsabilizadas pelas palavras e actos perigosos para quem carregava o fardo de conduzir a Nação.
Claro que tudo faz parte da História; a tradição censória em Portugal vem de longa data, pelo menos desde que D. João III, no ano de 1539, se lembrou de ''empossar'' um seu irmão mais novo, o cardeal D. Henrique, nas funções de inquisidor-geral do Tribunal do Santo Ofício.
É estranho como uma prática secular se extinguiu num piscar de olhos...
Clique em "Mensagens antigas" para ler mais artigos fantásticos do Arquivo.

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