PARA AS TRUTAS
Como no blogue
vizinho se têm publicado, ultimamente, textos e poemas
filosóficodepressivos, aqui fica a palavra do mestre Caeiro para lavar os olhos da alma.
O meu olhar é nítido como um girassol
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
-----------
Alberto Caeiro,
in "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914
© Editora Assírio & Alvim (Direitos dos herdeiros de Fernando Pessoa cuja obra tinha já caido no domínio público, mas que uma estúpida lei com efeitos rectroactivos, feita pelos eurocratas em Bruxelas, fez voltar tudo ao mesmo)