Texto originalmente publicado a 1 de Dezembro de 2003.
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Avenida 9 de julio y el Obelisco. Fotografia de Eurico Zimbres
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Teatro Colón.
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Ástor Piazzolla, 1971. Fotografia de Pupeto Mastropasqua.
Uma das memórias mais vívidas que guardo foi ouvir Piazzolla ao vivo, fiquei tão hipnotizado que nem consegui aplaudir. Através daquela música lancinante, terna, feroz, lânguida, sensual, viajei até Buenos Aires, cidade que nunca vi.
Cidade de imigrantes, de culturas díspares que foram forjando uma identidade única e inconfundível. O tango é a expressão dessa maneira de ser, é a nova Terra Prometida, é a dignidade, é o amor insano, é a ''Semana Trágica'', é Gardel, é Perón, é Evita, é a agitação social, é a ''Guerra Sucia'', é a voz de ''Las Madres de la Plaza de Mayo'', é a promessa da democracia, é a corrupção dos políticos e a crise económica, é uma criança vítima da fome.
Piazzolla transformou radicalmente a face do tango. ''Para mim o tango foi sempre mais para o ouvido do que para os pés'' dizia, resumindo assim a sua aproximação a um estilo tradicionalmente dançado. Carlos Gardel, o outro grande nome da história deste género musical, conhece o jovem Ástor em Nova York (onde este vivia desde os três anos) e impressionado com o seu talento contrata-o para tocar no filme ''El Dia Que Me Quieras''.
Regressa a Buenos Aires em 1937 onde vai tocando em vários agrupamentos enquanto estuda música clássica com Alberto Ginastera. Escreve várias composições sinfónicas, uma das quais lhe ganha uma bolsa para estudar em Paris com Nadia Boulanger. A grande professora, perante as suas hesitações e ambivalências, encoraja-o a reencontrar as suas raízes, o tango e o bandoneon.
Era a voz que muitos não queriam ouvir, ''estava a tirar-lhes o tango, o seu velho tango''. A fúria era tão grande que um dia, enquanto dava uma entrevista na rádio, um cantor irrompeu estúdio adentro apontando uma pistola à cabeça de Piazzolla.
Em 1955, depois de regressar à bela capital argentina, formou um octeto radical que incluía uma viola eléctrica. Levaram o tango para os domínios da música de câmara sem cantor ou dançarinos. Os media e as editoras discográficas fizeram a vida negra ao grupo que duraria apenas três anos, todavia Piazzolla fizera um corte decisivo com a tradição.
Volta a Nova York onde experimenta a fusão do jazz e do tango sem muito sucesso. De regresso a casa em 1960 forma vários quintetos e inicia o seu período mais produtivo escrevendo então muitas das suas peças clássicas tais como a triologia ''Angel''. Tendo experimentado vários formatos foi, porém, a combinação de bandeneon, contrabaixo, violino, piano e viola eléctrica, que veio a ser a sua favorita. Outros agrupamentos que estimava incluíram os seus sextetos e o mais radical e efémero ''Conjunto9'' que ficou famoso pela versão de ''Buenos Aires Hora Cero'' de 1983; esta peça (muitas vezes gravada) evoca essas noites em que ele e os seus colegas faziam uma pausa vagueando pelas ruas desertas antes de retomarem os ensaios que se estendiam até às quatro ou cinco da manhã.
Uma das mais conhecidas peças é, sem dúvida, o Libertango; Piazzolla escreveu-a para o seu segundo quinteto, o mais universalmente aclamado entre 1978 e 1988. Pouco depois da dissolução do quinteto sofre um forte ataque que o leva à morte em 4 de Julho de 1992.
A sua obra será sempre um testemunho de um homem que nunca cedeu à facilidade e que soube elevar o tango à categoria de música universal.
Excertos de Buenos Aires Hora Cero (parte final) e Adiós Nonino.
Ligações:
Piazzolla.Org
Piazzolla on Answers.com
Piazzolla on Answers.com (All Music Guide)
Todo tango: Piazzolla
Piazzolla, Wikipédia em Português
PS: Espero que os leitores me perdoem por servir um texto "requentado".
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