POESIA, POETAS, DIA, O'NEIL, MUNDIAL, SARCASMO E OUTRAS COISAS QUE TAIS
"PERICLITAM OS GRILOS"
Periclitam os grilos:
a noite é nada.
Quem tem filhos tem cadilhos.
(Que quadra tão bem rimada!)
Não espere, leitor, que eu diga:
«Debaixo daquela arcada...»
Não venho fazer intriga:
versejo só - e mais nada.
Assim o terceiro verso
desta tirada
(reparou que é um provérbio?)
não significa nada.
Se a noite é nada e os grilos
não estão de asa parada,
não vou puxar, só por isso,
o fio à sua meada,
leitor que me pede a história
que já trás engatilhada,
leitor que não se habitua
a que não aconteça nada
em poesia que comece
como esta foi começada
e acabe como esta
vai ser agora acabada...
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SENTENÇAS DELIRANTES DUM POETA PARA SI PRÓPRIO EM TEMPO DE CABEÇAS PENSANTES
1
Não te ataques com os atacadores dos outros.
Deixa a cada sapato a sua marcha e a sua direcção.
O mesmo deves fazer com os açaimos.
E com os botões.
2
Não te candidates, nem te demitas. Assiste.
Mas não penses que vais rir impunemente a sessão inteira.
Em todo o caso fica o mais perto possível da coxia.
3
Tira as rodas ao peixe congelado,
mas sempre na tua mão.
Depois, faz um berreiro.
Quando tiveres bastante gente à tua volta,
descongela a posta e oferece um bocado a cada um.
4
Não te arrimes tanto à ideia de que haverá sempre
um caixote com serradura à tua espera.
Pode haver. Se houver, melhor...
Esta deve ser a tua filosofia.
5
Tudo tem os seus trâmites, meu filho!
Não faças brincos de cerejas
sem te darem, primeiro, as orelhas.
Era bom que esta fosse, de facto, a tua filosofia.
6
Perguntas-me o que deves fazer com a pedra que
te puseram em cima da cabeça?
Não penses no que fazer com. Cuida no que fazer da.
É provável que te sintas logo muito melhor.
Sai, então, de baixo da pedra.
7
Onde houver obras públicas não deponhas a tua obra.
Poderias atrapalhar os trabalhos.
Os de pedra sobre pedra, entenda-se.
Mas dá sempre um «Bom dia!» ao pessoal do estaleiro.
Uma palavra é, às vezes, a melhor argamassa.
8
Deves praticar os jogos de palavras, mas sempre
com a modéstia do cientista que enxertou em si mesmo
a perna da rã, e que enquanto não coaxa, coxeia.
Oxalá o consigas!
9
Tens um glorioso passado futurível,
mas não fiques de colher suspensa,
que a sopa arrefece.
10
Se tiveres de arranjar um nome para uma personagem
de tua criação, nunca escolhas o de Fradique Mendes.
A criação literária não frequenta o guarda-roupa,
muito menos quando a roupa tem gente dentro.
11
Resume todas estas sentenças delirantes numa única
sentença:
Um escritor deve poder mostrar sempre a língua portuguesa.
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"APROVEITANDO UMA ABERTA"
«Ó virgens que passais ao sol-poente»
com esses filhos-familia
pensai, primeiro, na mobilia,
que é mais prudente.
Sim, que essa qualidade,
tão bem reconstituída,
nem sempre, revirgens, há-de
proporcionar-vos a vida
que levais.
Se um tolo nunca vem só,
qundo não vem, não vem mais
ou vem, digamos, por dó...
E o dó dói como um soco,
até mesmo quando parte
de um tolo que a vossa arte
promoveu de tolo a louco.
Eu quando digo mobília,
digo lar, digo família
e aquela espiada fresta,
aberta, patente, honesta,
retrato oval da virtude,
consoladora do triste,
remanso, beatitude
para o colérico em riste.
Assim, sim, virgens sensatas!
(Nos telhados só as gatas...)
Pensai antes na mobília,
honestas mães de família,
e aceitai respeitos mil
do vosso
-------------------------
"QUE VERGONHA RAPAZES"
Que vergonha rapazes! Nós pràqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no «diz que»
e a desnalgar a fêmea («Vist'? Viii!»)
Que miséria, meus filhos! Tão sem jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me soergo no meu leito
e vejo entrar a quarta invasão francesa.
Desejo recalcado, com certeza...
Mas logo desço à rua, encontro o Roque
(«O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!»)
e desabafo: - Ó Roque, com franqueza:
Você nunca quis ver outros países?
- Bem queria, Sr O'Neill! E...as varizes?
-------------------------
"DIVERTIMENTO COM SINAIS ORTOGRÁFICOS"
...
Em aberto, em suspenso
Fica tudo o que digo.
E também o que faço é reticente...
:
Introduzimos, por vezes,
Frases nada agradáveis...
.
Depois de mim maiúscula
Ou espaço em branco
Contra o qual defendo os textos
,
Quando estou mal disposta
(E estou-o muitas vezes...)
Mudo o sentido às frases,
Complico tudo...
!
Não abuses de mim!
?
Serás capaz de responder a tudo o que pergunto?
( )
Quem nos dera bem juntos
Sem grandes apartes metidos entre nós!
^
Dou guarida e afecto
A vogal que procure um tecto.
Alexandre O'Neil
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Arquivado em: Poesia
terça-feira, 21 de março de 2006
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