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La Mer Orageuse
1869, óleo sobre tela de Gustave Courbet (1819-77).
Evolução
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta?
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo?
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo?
Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade?
Interrogo o infinito e às vezes choro?
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.
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Com os Mortos
Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos?
E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos?
Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,
Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.
Antero de Quental (1842-1891)
in Sonetos Completos, 1886.